segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Parque Estadual Marinho Pedra da Risca do Meio - Um tesouro escondido!





“E Euclides lhe propôs [...] que descesse com ele, ainda que só para ver esse outro céu debaixo do mundo que eram os fundos de corais.”
Gabriel García Márquez, em “O amor nos tempos do cólera”.

O mergulho na única área de proteção estadual marinha do Ceará, a Pedra da Risca do Meio, é
um convite para amantes de esportes radicais ou para quem busca conhecer a biodiversidade
presente nos corais que existem no litoral de Fortaleza


O barco risca lentamente as águas calmas e esverdeadas da enseada do Mucuripe em direção ao Atlântico azul e agitado. Ao entrar de vez no oceano, a embarcação balança para um lado e para o outro, mas continua determinada e brava, encarando de frente as ondas que tentam impedir o caminho. Para trás, fica uma Fortaleza nublada de uma típica manhã de janeiro de ventos médios. À frente, o céu, com poucas nuvens brancas e esparsas, une-se com o mar.
Para quem não é acostumado com o ritmo das ondas, a viagem de quase duas horas põe à prova até os estômagos mais fortes. Ao final, quando o barco para no meio da imensidão de água, de onde a Capital não passa de uma tênue silhueta, mal se pode imaginar que sob as águas está o tesouro escondido da Pedra da Risca do Meio ‒ única unidade de conservação marinha estadual do Ceará.
Estamos no Cabeço do Balanço, um dos pontos de mergulho localizados nos 33 km² de área do parque. Começa a preparação. 
Os mergulhadores vestem e conferem os equipamentos para entrar na água, um a um. Logo em seguida, guiados por uma corda presa ao fundo do mar, vão descendo aos poucos em direção aos corais. No chamado “mergulho de batismo” ‒ primeira experiência de submergir com cilindros de oxigênio em águas abertas ‒ a sensação é de estranhamento, mas também de liberdade. A adrenalina está a mil. 




O agito das ondas na superfície diminui após alguns metros de mergulho, onde já é possível ter uma excelente visibilidade. A descida exige cuidados, devido ao aumento da pressão atmosférica à qual estamos acostumados. Em terra, o corpo humano recebe uma atmosfera de pressão ‒ o que equivale a um quilo por centímetro quadrado do corpo ou uma coluna de ar sobre cabeça. 
A cada dez metros de profundidade dentro d’água, a pressão aumenta mais uma atmosfera. Por isso, descida e subida precisam ser lentas, dando tempo ao corpo para se adaptar às mudanças fisiológicas. À medida que nos aproximamos dos corais no fundo do mar – com cerca de 18 metros de profundidade ‒, a flora e a fauna ficam mais ricas, e nos deparamos com cardumes de peixinhos multicoloridos, lagostas, moreias, esponjas, algas e tubarões. É como se todos fizéssemos parte de um aquário gigante. 




Nessa hora, é possível se afastar um pouco da corda que serve de guia e explorar os arredores. O oxigênio vindo dos cilindros deixa a boca seca, mas nada que atrapalhe a diversão do passeio. Após aproximadamente meia hora, é hora de retornar à superfície. Em êxtase, fica a sensação de esse ser o tipo de experiência que é preciso ter pelo menos uma vez na vida.

A criação do parque também tinha como objetivo a preservação da pesca artesanal. “Essa é uma área muito usada pelos jangadeiros” conta o mestre em Engenharia de Pesca Marcelo Torres, idealizador e primeiro gestor do parque



BIODIVERSIDADE MARINHA 
A importância do Parque Marinho da Pedra da Risca do Meio vai além dos seus limites. Por ser um ambiente de recifes, ele tem a função de “berçário marinho”, onde as espécies podem se reproduzir em ambiente protegido, além de servir como importante fonte de alimentação. “Essas áreas são as mais produtivas e de maior riqueza da vida marinha”, ressalta o professor Marcelo de Oliveira Soares, do Instituto de Ciências do Mar da Universidade Federal do Ceará (UFC). 
No local, são encontradas diversas espécies de vegetais e animais. Entre estas, pelo menos 11 estão ameaçadas de extin- ção ‒ como os peixes cioba, badejo amarelo e mero; as tartarugas comum, verde e de pente e o tubarão martelo. 
A criação do parque também tinha como objetivo a preservação da pesca artesanal. “Essa é uma área muito usada pelos jangadeiros”, conta o mestre em Engenharia de Pesca Marcelo Torres, idealizador e primeiro gestor do parque. 
Segundo ele, havia uma preocupação, na época, de que a pesca predatória poderia pôr em risco a quantidade de pescado no local. O nome do parque vem do fato de as formações rochosas existentes no local serem conhecidas pelos pescadores como “riscas” ou “cabeços”. E a unidade de conservação fica na porção central da área ‒ por isso “Pedra da Risca do Meio”. 
De acordo com Marcelo Soares, as pesquisas científicas ainda são incipientes na região marítima entre o Ceará e o Amazonas. Entretanto, cada vez mais são encontrados ambientes de corais nesse trecho, o que era desconhecido até bem pouco tempo.


PLANO DE MANEJO 
Após quase 20 anos de criação, o Parque Marinho da Pedra da Risca do Meio ainda não possui plano de manejo. Entretanto, essa realidade deve mudar em breve. 
De acordo com o secretário do Meio Ambiente do Ceará, Artur Bruno, já foram captados recursos para elaborar o documento, que deve ser redigido e finalizado durante o próximo ano. “O plano de manejo é o documento mais importante de uma unidade de conservação, porque faz um diagnóstico da área e, a partir dele, propõe uma gestão qualificada, definindo o que pode e não pode ser feito naquele espaço”, explica o secretário. 
Além disso, também será preparado um plano de gestão para o local. O parque foi uma das seis unidades de conservação marinhas do Brasil contempladas pelo edital GEF-Mar, que será a fonte dos recursos para elaborar o plano de manejo. 
Ele é mantido por meio de doações ao Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) ‒ implementado pelo Banco Mundial ‒ e cofinanciado pela Petrobras. A seleção foi feita por meio do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), do Ministério do Meio Ambiente (MMA)


META DISTANTE 
Com 8.500 km de costa e 4,5 milhões de km2 de área marítima, o Brasil ainda está longe de atingir a meta de 10% de conservação prevista na Convenção sobre Diversidade Biológica. O texto, redigido durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92), realizada no Rio de Janeiro, tinha o ano de 2010 como prazo para atingir a meta. Segundo o coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), Leonardo Messias, “apenas 0,7% (da área total) são unidades de conservação, considerando os ambientes costeiros e marinhos (estuários, mangues, dunas, costões, lagoas costeiras e mar)”. 
Na avaliação dele, isso “está muito longe de um total que seja significativo”. Entretanto, Leonardo Messias ressalta que há boas perspectivas de melhorar esse número, já que há propostas de criação de outras unidades em andamento, além da ampliação de algumas já existentes. Ele lembra que a criação dessas unidades é importante, pois o País possui atividades que impactam negativamente o ecossistema marítimo ‒ como pesca, petróleo e mineração. 
De acordo com o secretário do Meio Ambiente do Ceará, Artur Bruno, não há perspectiva de criação de novas unidades de conservação marinhas no Estado. “Não é nosso objetivo aumentar a quantidade de unidades, é fazer com que elas funcionem bem”, explica. Essa opinião é compartilhada pelo mestre em Engenharia de Pesca Marcelo Torres. “Do que adianta a gente ampliar e não fiscalizar? É muito melhor ter uma área pequena, mas que funcione, que tenha fiscalização, plano de manejo, do que criar mais áreas para cumprir uma meta de 10% e não ser, na prática, um parque”, comenta.


AMEAÇAS AO PARQUE 
A pesca predatória com as chamadas redes caçoeiras (rede de arrasto), além do uso de compressores de ar para a captura de peixes ornamentais, lagostas e outras espécies são algumas das ameaças ao parque. 
Além disso, a poluição e falhas na fiscalização colocam em risco a integridade do parque marinho. “Infelizmente, não existe fiscalização, somente algumas ações pontuais. A gente sabe que tem todo tipo de pesca lá”, alerta o professor Marcelo Soares. 
Já o instrutor de mergulho e idealizador do Parque, Marcelo Torres, cita o uso de tambores para a pesca de lagosta no local. “Esses tambores não são lavados, têm muito produto químico [...] Virou uma terra de ninguém. É lamentável a situação em que se encontra o parque hoje”, critica. Outro sinal da ausência de fiscalização citado por Marcelo Torres era a existência de um avião Bandeirantes que havia caído no parque e se tornado um dos principais pontos de mergulho. Entretanto, o equipamento foi desmontado e retirado, possivelmente para ser vendido como sucata. 
O secretário do Meio Ambiente, Artur Bruno, reconhece as falhas no monitoramento e informa que há denúncias de que a área está poluída, inclusive com equipamentos descartados por mergulhadores. Atualmente, a Sema não possui barco próprio para fiscalização do local. 
De acordo com Artur Bruno, é estudada uma parceria com o Labomar/UFC, que permitiria o uso de equipamentos da instituição, tanto para pesquisa como para fiscalização. “Temos que conseguir um barco para que possa ter um calendário de fiscalização. O desafio é começar a fazer ainda este ano”, ressalta.


ECOTURISMO 
O Parque Marinho da Pedra da Risca do Meio tem potencial forte para o ecoturismo, principalmente para o chamado “turismo de mergulho”, já que pessoas de todo o País que já praticam o esporte buscam novos lugares para conhecer e explorar. Segundo Marcus Davis, da operadora Mar do Ceará, há grande demanda por mergulhos na unidade de conservação. No caso da Pedra da Risca do Meio, devido à profundidade, não é possível realizar o mergulho com amadores ‒ é preciso antes fazer cursos na área e obter certificação. 
“O parque tem pontos que exigem certificação de nível básico e também avançado, que habilita a ir mais fundo”, informa Marcus Davis. “É diferente de ir para Fernando de Noronha, onde (o turista) faz o curso rápido e pode mergulhar na profundidade de 10 metros”, explica a turismóloga Izaura Lila Lima, gestora da unidade de conservação. Além disso, na avaliação dela, pesam contra o uso turístico a distância do parque em relação ao litoral e a realização de mergulhos apenas no primeiro semestre do ano ‒ os ventos fortes dificultam a ida ao local e a visibilidade subaquática entre agosto de dezembro. 
Marcus Davis defende ainda mais divulgação para o local e sugere, por exemplo, a criação de um espaço na orla onde turistas, e mesmo cearenses, possam conhecer a biodiversidade presente na Pedra da Risca do Meio. 




Para quem quer vivenciar a experiência, é possível obter a certificação em operadoras de mergulho localizadas no Ceará. A Mar do Ceará, por exemplo, está no mercado desde 2009. O curso básico pode ser feito em oito dias. 
Há também cursos avançados, de primeiros socorros, de resgate, além da possibilidade de conhecer outros pontos de mergulho existentes no Ceará. Ao final, os participantes recebem certificação pela Professional Association of Diving Instructors (Padi) ‒ Associação Profissional de Instrutores de Mergulho, em tradução livre.


SERVIÇO 
Operadora de Mergulho Mar do Ceará Endereço: Av. João Pessoa, 5834 ‒ Posto
Damas ‒ Montese. 
Site: mardoceara.blogspot.com.br/ 
Contato: (85) 99764 6553 / 98744 7226
Valor: O curso básico custa a partir de R$ 1.110



Texto: Geimison Maia
Fotos: Marcus Davis

Fonte: Revista Plenário
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