segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Siqueira Campos - Um Mergulho no Passado


Siqueira Campos 1943


O ano é 1943, auge da Segunda Guerra Mundial. Os submarinos de Hitler são uma ameaça real, que obrigam os navios aliados a viajar em comboios escoltados e sem nenhuma luz de navegação durante a noite. O navio de seis mil e quinhentas toneladas, chamado Siqueira Campos, navega a noite, próximo à costa cearense. Partira de Recife com destino a Fortaleza e viajava em comboio junto com outra embarcação chamada Cuiabá, sob escolta dos navios caça submarinos (CS) Juruá e CS Jaguarão.
Era noite do dia 24 de agosto, mês de ventos intensos e mar agitado. O comboio estava na ultima pernada de sua viagem. Em meio à escuridão e mar revolto algum vigia mareado pode ter se precipitado e transmitiu pelo rádio algo sobre um submarino alemão estar atacando. O pânico foi geral e, em uma manobra desastrada, os navios Siqueira Campos e Cuiabá se chocaram em frente à costa de Aracati. Após choque os navios seriamente avariados tentaram chegar a Fortaleza. Só o Cuiabá conseguiu.
O Siqueira Campos era um navio antigo, com mais de 30 anos no mar e começou a fazer água rapidamente. O capitão, vendo que o seu navio iria naufragar aproou para terra com o intuito de encalhar em águas rasas para salvar a embarcação. Nos momentos finais o capitão deu um bordo aproando para o mar para facilitar as futuras operações de savatagem. O navio encalhou a cinco quilômetros da Praia do Uruaú e a nove metros de profundidade. O casario ficara acima da linha d’água e na maré seca, parte do costado também. Todos conseguiram salvar-se. Não houve vitimas fatais no acidente.
Nos anos que seguiram o sinistro, após ser constatada perda total do cargueiro, foi iniciada uma operação de savatagem de estruturas que poderiam ser reaproveitadas. Parte da estrutura foi dinamitada para não atrapalhar a navegação.
O Siqueira Campos foi um pequeno coadjuvante das duas grandes guerras mundiais e existem historias curiosas a seu respeito. Era um navio misto, carga e passageiros, fabricado na Alemanha em 1907 e batizado com o nome Gertrud Woermann pelo armador Woermann Line.

Gertrud Woermann 1907 - 1914
No início da Primeira Guerra Mundial o cargueiro se encontrava no porto do Rio de Janeiro de onde foi impedido de zarpar e ficou retido até 1917 quando foi confiscado pelo governo brasileiro como ressarcimento pelos danos causados ao Brasil durante a Primeira Guerra Mundial, e renomeado Curvello. Em 1925 foi comprado pelo Lloyd Brasileiro e dois anos depois foi rebatizado Cantáuria Guimarães, só em 1931 passaria a se chamar Siqueira Campos.

Em 1940, antes do Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial contra os países do Eixo, o navio foi apreendido por ingleses no porto de Lisboa por estar transportando, de acordo com contrato assinado em 1938, armamentos provenientes da fabrica alemã Krupp. E ainda, um ano depois, o navio do Lloyd Brasileiro foi atacado a tiros de canhão por um submarino alemão nas imediações de Cabo Verde e detido para ser revistado.
Afundar durante a Segunda Guerra só poderia ser seu destino...

Hoje, sessenta e seis anos após o encalhe, ainda é possível avistar sobre a linha d’água estruturas da proa e do leme durante a maré baixa. No entanto o acesso ao naufrágio é um pouco complicado. Apesar de próximo à costa, em algumas praias do litoral leste mergulhadores não são muito bem vindos. Isto por que pescadores da região associam qualquer pratica de mergulho com ar à pesca da lagosta, ou mesmo à caça submarina e se negam a “mostrar o ponto”. A proximidade do litoral também cria um outro obstáculo: a visibilidade normalmente é ruim.

Segundo os pescadores, julho e agosto são os meses de melhor visibilidade, apesar do mar agitado nessa época do ano. Vencidos os obstáculos, pode-se levar uma hora de jangada, saindo da Praia do Diogo.
Foi o que fizemos em nossa pequena expedição ao Siqueira Campos, eu e três amigos também mergulhadores. Foram duas tentativas. Saímos de jangada da Praia do Diogo e na primeira, a falta de vento e a cor de café da água nos fizeram abortar a operação após duas horas de bordos infrutíferos. No dia seguinte partimos mais cedo e o vento terral nos ajudou. No entanto a água continuava com cor de café. Mas após um rápido mergulho de reconhecimento, a comemoração! A água suja era apenas uma camada de dois metros, revelando oito metros de visibilidade.

O navio naufragado foi completamente sucateado ao longo dos anos, mas mantém ainda sua imponência. O casco está parcialmente inteiro com uma grande rachadura próximo a proa. Seguindo pela quilha logo chegamos ao porão de proa onde estão pilhas e pilhas do que um dia foram sacas de cimento que petrificaram e dão a impressão de estarem ainda esperando para serem descarregadas. Em direção à popa encontramos as duas grandes caldeiras cilíndricas. Pequenas penetrações são possíveis da meia nau à popa sem colocar em risco a segurança.

A entrada do porão de popa se mantém inteira e ainda conserva sua escada até o fundo arenoso. Logo encontrei um objeto com formato de um garfo. Observando mais de perto vi que ao redor do garfo, preso pela incrustação, estava a entrada de uma fechadura! Será que alguém tentou invadir a sala de bebidas?! Durante ou logo após o afundamento? Saqueadores? Por que alguém tentou abrir esta porta com um garfo?
Contornando a popa notamos o leme ainda no lugar, mas o hélice virou sucata. Retornando à proa por fora do casco por estibordo, encontramos algumas ferragens e “blocos de sacas de cimento”. O convés de proa está bem conservado com cabeços de amarração, entrada do porão, todos em um plano só, mas devido à rachadura encontra-se inclinado como se fosse emergir a qualquer momento.

A vida marinha é farta: parúns, pampos, moréias e algas urtigantes. Um ralo cardume de xila cobria todo o naufrágio. Próximo à proa também encontramos um lixa de bom tamanho. Arraias costumam repousar ao redor apesar de não termos visto nenhuma.
Deixamos o naufrágio com a sensação emergirmos da história através de um túnel do tempo. Olhei ao redor e não pude deixar de pensar que eu estava olhando para a mesma paisagem que o capitão do Siqueira Campos olhou dezenas de anos atrás.


Siqueira Campos 2009


Fonte:
Artigo publicado em junho/2009 em http://www.brasilmergulho.com.br por Marcus Davis A. B.

14 comentários:

  1. um valioso artigo, parabéns pelo conteúdo. fiquei fascinado quando soube da sua história, tenho uma casa na praia da Tabuba do morro branco e no último final de semana 02/11/2018 foi avistado um pacote grande de +- 500kg que segundo pescadores contem borracha de seringal que no qual era do tão brilhante navio Siqueira Campos. Parabéns pela ação de bravura do capitão de sua época.

    ResponderExcluir
  2. Olá. Esse Siqueira Campos é o mesmo que levou os exilados da Revolução Constitucionalista para Portugal (de Recife para Lisboa, em novembro de 1932)?

    ResponderExcluir
  3. Fantástico!!! Parabéns pelo artigo.

    ResponderExcluir
  4. Parabéns pelo artigo, sempre tive curiosidade de saber da história do siqueira, mas só pesquisei agora por causa da queda do monomotor. Moro em sucatinga e amo o Uruaú.

    ResponderExcluir
  5. Tudo que vc comentou, é verdadeiro, estive no Siqueira Campos, ano passado, é bem perto da Costa, mas de jangada é difícil de chegar, abortamos o mergulho no primeiro dia,e no segundo dia conseguimos apoitar,em cima dele, um mergulho alucinante.

    ResponderExcluir
  6. Artigo maravilhoso. Amei saber a história do Siqueira Campos.

    ResponderExcluir
  7. Mergulhei muitas vezes isto a aproximadamente à 30 anos atrás , saiamos de jangada da Praia das Fontes .

    ResponderExcluir
  8. Muito bom, belo artigo, meu pai fez um livro, e nele conta a história do Siqueira Campos e a “Pirataria”

    ResponderExcluir
  9. Um guia, senhor Paulo Monteiro(do buggy), local , me contou essa historia e agora tive tempo de pesquisar, uma história de bravura e fascínio.

    ResponderExcluir
  10. Meu avô e minha avó se conheceram neste navio, vindo de Fortaleza para São Paulo, casaram-se, tiveram 5 filhos e viveram juntos por 52 anos.

    ResponderExcluir