No último dia 7 de outubro, o jornal O Globo noticiou na sua coluna Ciência/Cultura que o governo da Espanha, por meio de sua Marinha de Guerra, juntamente com o Ministério da Cultura estavam empreendendo um grande trabalho de salvamento do patrimônio cultural subaquático.
Por meio da Campanha de Proteção do Patrimônio Arqueológico Subaquático a Marinha espanhola, com dois navios de guerra e uma lancha hidrográfica, juntamente com seus mergulhadores e arqueólogos subaquáticos do Centro de Arqueologia Subaquática (CAS) pretendem localizar, identificar e quando possível, resgatar naufrágios existentes na plataforma continental do Golfo de Cádiz até uma profundidade de 200 metros. Num segundo momento este trabalho se estenderá a toda costa espanhola.
Esta empreitada da armada espanhola faz parte de um grande projeto denominado Plano Nacional para a Proteção do Patrimônio Arqueológico Subaquático (PNPPAS), aprovado em 20NOV2007 pelo governo espanhol. Este plano prever que sejam adotadas medidas efetivas para a salvaguarda, conservação e difusão do patrimônio espanhol subaquático, no intuito de evitar que as atividades de exploração não afetem diretamente este patrimônio e velar para que as atividades subaquáticas legalmente autorizadas não incidam negativamente em sua conservação.
Cabe destacar, que o governo espanhol desde 06JUN2005 tornou-se um dos países signatários da convenção da UNESCO sobre a Proteção ao Patrimônio Cultural Subaquático aprovada em 02NOV2001. Ratificada por mais de trinta países como Espanha, Portugal, México, dentre outros ela ainda apresenta algumas divergências diante do conceito de “patrimônio da humanidade”, sendo que nações como o Brasil, Inglaterra, Holanda, Alemanha, etc; que mantêm políticas voltadas para o proteção do patrimônio cultural subaquático não ratificaram a presente convenção.
A convenção estabelece como regra básica, a proibição da exploração comercial do patrimônio arqueológico subaquático e regula normas relativas às atividades voltadas para a proteção deste acervo tornando-os patrimônios da humanidade.
A Espanha despertou para a proteção do seu patrimônio cultural subaquático somente depois de ter o seu mar territorial invadido pela empresa de explorações submarinas Odyssey Explorer, sediada na Flórida (EUA). Em 2007, esta empresa localizou e explorou a embarcação de guerra Nuestra Señora de las Mercedes, que naufragou em 1804, atacada por navios ingleses no Estreito de Gilbraltar e dela retirou mais de 500.000 moedas e diversos objetos, desde então o governo espanhol vem travando uma batalha judicial para obter a posse desse seu patrimônio histórico e arqueológico.
Apesar de não ser signatário da convenção da UNESCO, o Brasil vem engatinhando na adoção de medidas para a proteção de seu patrimônio arqueológico subaquático.
No início da década de 80, notícias de saque em naufrágios da costa do nordeste brasileiro mobilizaram um navio de guerra, o Navio de Socorro Submarino Gastão Moutinho, mergulhadores da Marinha do Brasil (MB) e especialistas do então Serviço de Documentação-Geral da Marinha para trabalhos de salvamento dos referidos naufrágios.
A partir deste trabalho de salvamento, o Museu Naval e Oceanográfico inaugurou, em 10DEZ1993, a exposição Arqueologia Subaquática no Brasil, primeira exposição museológica do gênero no País.
Mesmo sem realizar um projeto arqueológico subaquático dentro dos parâmetros acadêmicos vigentes atualmente, este trabalho de salvamento da Marinha propiciou uma reflexão sobre a atividade arqueológica no Brasil.
Até meados da década de 80, não havia no País norma especifica que regulamentasse as atividades de arqueologia subaquática. O que havia até então dispunha apenas sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos cabendo ao então Ministério de Educação e Cultura, por meio da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a gerência destas atividades no País.
Foi somente em 1986, que se sancionou lei que dispunha sobre a pesquisa, exploração, remoção e demolição de coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terreno de marinha e seus acrescidos e em terreno de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar . A referida lei propunha que a coordenação, controle e fiscalização das atividades subaquáticas passaram a ser de competência do então Ministério da Marinha.
A partir desta lei, iniciava-se uma forma sistemática de proteger o patrimônio cultural subaquático, que ganhou força três após a sua vigência com uma portaria interministerial, aprovando normas comuns, no intuito de
“(...) estabelecer procedimentos visando à padronização de ações adotadas pelos Ministérios da Marinha e da Cultura quanto à pesquisa, exploração, remoção e demolição de coisas ou bens de valor artístico, de interesse histórico ou arqueológico afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terrenos de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar ”.
Até então, a proteção do patrimônio cultural subaquático brasileiro estava gerido por um conjunto de regras que o protegiam, pois as citadas normas proibiam a sua comercialização; porém, de acordo com o Livro Amarelo (...) irônica e lamentavelmente, em 27 de dezembro de 2000 (entre as festas de Natal e Ano Novo) foi sancionada a Lei Federal nº 10.166, que alterou significativamente os procedimentos da Lei nº 7.542 .
A lei em vigor, a partir de 2000, propiciou concessão para a realização de operações e atividades de pesquisa, exploração, remoção ou demolição a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, e também a possibilidade do pagamento de recompensa a terceiros que venham a explorar patrimônio arqueológico subaquático nacional.
Estas mudanças apresentaram um retrocesso pela salvaguarda e proteção do patrimônio cultural. Porém, a partir de 2006, com a iniciativa da Deputada Nice Lobão, encontra-se tramitando no Senado Federal, Projeto de Lei da Câmara nº 45, de 2008, dispondo sobre o patrimônio cultural subaquático brasileiro e revogando os artigos da Lei nº 10.166/2000, que tratam do pagamento de recompensa sobre o referido patrimônio.
Nestes últimos quatros anos, diversos fatores ocorreram que influenciou de maneira positiva ou negativa a atividade arqueológica subaquática no Brasil.
Em 2007, um dos maiores grupos de pesquisa e explorações subaquáticas do mundo, a empresa húngara Octupus (www.deepresearch.hu), obteve autorização da Marinha do Brasil para localizar uma embarcação holandesa naufragada na costa do Estado do Pernambuco.
Foi a primeira vez, que se concedeu autorização a um grupo estrangeiro para realizar pesquisas arqueológicas subaquáticas em águas jurisdicionais brasileiras.
Nos últimos anos, grupos vêm realizando trabalhos de pesquisa e exploração de naufrágios na costa brasileira. Cabe destacar que estes trabalhos são autorizados pela MB e devem ser acompanhados/fiscalizados, em conjunto pela MB e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Um exemplo de trabalho que vem sendo bem efetuado e acompanhado pelos órgãos competentes é a atividade de conservação e estudos de um naufrágio localizado na Praia dos Ingleses, na Ilha de Santa Catarina pela Organização Não-Governamental Projeto de Arqueologia Subaquática (ONG PAS) - http://www.ongpas.com/.
Cabe ressaltar, que o domínio das técnicas de atividades aplicadas ao mergulho tem se desenvolvido rapidamente nos últimos anos, propiciando desta forma uma maior permanência do homem no meio subaquático. Desta forma, o patrimônio cultural que permaneceu guardado durante séculos tende-se a ser deteriorado em pouco tempo devido à ação do homem se não for devidamente pesquisa, estudado e conservado.
Exemplo desta ação indevida, fora noticiada recentemente quando da retirada de embarcações e objetos do leito do Rio Paraná por terceiros sem autorização da Autoridade Marítima.
A importância deste segmento para a preservação do patrimônio arqueológico nacional, redundou na criação do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), órgão do Ministério da Cultura que se voltará especificamente para as atividades de preservação e proteção do patrimônio arqueológico nacional.
Destarte, cada vez mais os países desenvolvidos estão lançando maciças campanhas de proteção ao patrimônio cultural subaquático notadamente contra a exploração indevida por grandes grupos de caça-tesouros, a exemplo do que a Espanha vem realizando a favor do seu patrimônio.
Ações como a do governo espanhol, inibirão as atividades de tais grupos, fazendo com que eles se voltem para países, como o nosso, que mantém uma tímida política de proteção ao seu patrimônio, que poderá ser contornada com a aprovação do projeto de lei que tramita no congresso e uma ação mais efetiva do governo brasileiro, assim como fez o governo da Espanha, por meio da utilização dos seus navios de guerra.
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