segunda-feira, 2 de maio de 2011

Desbravando os Mares Cearenses: Mergulho no Naufrágio dos Remédios

Croqui do Naufrágio dos Remédios, Uruaú, CE. Por Luciano Andrade e Marcus Davis

O maior inconveniente do mergulho são os horários. E foi num desses horários cruéis, as 2:45 da manhã, que marcamos a saída da nossa pequena expedição. Com os carros cheios de equipamentos e mergulhadores partimos para a Praia de Barra Nova, 60km a oeste de Fortaleza, onde embarcaríamos em uma viagem de três horas até o  primeiro ponto de mergulho.
Mergulhador segurando um tocafitas
Barra Nova fica no encontro do Rio Choró com o mar, e o encontro dessas águas muda constantemente a paisagem do lugar, por isso é chamada Barra “Nova”. Este horário infeliz era justificado, se tentássemos sair muito tarde, a maré baixaria e não poderíamos passar a barra do rio.
Passamos todos os nossos equipamentos para uma pequena traineira (barco de pesca de madeira) sem nome e nos preparamos para atravessar a barra. Seriam 25 km, rumo 100 graus até o naufrágio Nossa Senhora dos Remédios, em seguida mais 11km a 245 graus até o naufrágio Siqueira Campos e se o tempo permitisse, passaríamos no naufrágio São Pedro para marcarmos sua localização no GPS.
Lixa na casa de máquinas
Após duas horas navegando, o vento forte abrandou e o mar começou a cooperar. Logo chegamos e lançamos uma garatéia no ponto indicado pelo GPS cujas coordenadas foram disponibilizadas pelo portal BrasilMergulho. Um excelente mergulhador livre caiu na água para localizar o ponto enquanto nos preparávamos. Mas tivemos outro susto: nada do naufrágio! Me equipei para um mergulho solo a fim de localizá-lo. A água estava excelente: confortáveis 15 metros de visibilidade a 27˚ C de temperatura. Desci pelo cabo da garatéia, e nada. Deixei a correnteza me levar um pouco, pois poderia ser uma marcação de fundeio e logo avistei uma fileira de manzuás – armadilhas para a pesca de lagosta. Fiquei animado. Segui os achados, mas ainda nada de naufrágio... nem de peixes. Estava quase desistindo quando apareceu um cardume de galos e os segui com cuidado pra não assustá-los. Os peixes foram embora e me deixaram no fundo arenoso... sozinho! “Ok, vou subir.” Mas aí apareceu outro cardume, dessa vez de xilas segui-os um pouco e lá estava ele! Magnífico!
Cheguei pela popa e percebi a primeira – de muitas – peculiaridade deste naufrágio: a popa era quadrada! Segui por bombordo, amarrei o cabo de referência na amurada e subi.
Pescadores contam duas histórias diferentes sobre o naufrágio do Nossa Senhora dos Remédios. Em uma, o navio estaria transportando contrabando quando foi abordado e para não ser presa, a tripulação afundou o navio. Noutra, mais provável e confirmada por autores locais, seria um navio comissionado pela Marinha de Guerra Brasileira que, quando navegando, descarregado, foi atingido por uma enorme onda por boreste e afundou em 1986.
Na cozinha, o fogão.
Voltamos ao naufrágio em um grupo de três mergulhadores. Seguimos o planejamento e nadamos em direção à proa que está voltada para nordeste. Mais uma peculiaridade: a proa não era triangular como nos navios convencionais e sim retangular, com uma “comporta” como em navios de desembarque de tropas. A comporta estava aberta e embaixo dela um tubarão lixa repousava tranqüilo. Seguimos pela abertura e embarcamos no naufrágio. Ainda na altura da proa, nos dois bordos, escotilhas davam acesso às pequenas casas de máquinas da comporta. Seguimos pelo convés repleto de lixo deixado por pescadores: garrafas “pet” cobriam todo o convés. Os pescadores enchem essas garrafinhas de areia ou cimento para servirem de lastro e as amarram aos manzúas que são feitos de madeira. Quando essas armadilhas se perdem ou são descartados no mar a madeira se deteriora e o plástico fica.
Os colchões da tripulação.
Seguimos até a popa, onde fica a superestrutura da embarcação. No centro e mais elevado fica a cabine de comando com janelas pequenas, estreitas e retangulares o que fortalece a hipótese de tratar-se de um navio da Marinha de Guerra – são pequenas para proteger a tripulação. Aos lados da torre de comando portas dão acesso às duas casas de máquinas. Numa breve penetração observamos o motor de bombordo e mais adentro portas que dão acesso ao obscuro interior do navio. É um naufrágio que permite vários níveis de penetração. Retornando ao convés de carga e subindo uns 2 metros temos o convés de popa onde encontramos todo o “maquinário de suspender a âncora” que ainda mantém os cabos no lugar. Observamos que esses maquinários são complexos e se localizam na popa e não na proa como de costume. É impressionante como o naufrágio está intacto e perfeitamente preservado.  
Na proa do naufrágio.
           Observando mais atentamente identifiquei um aparelho de som portátil e antigo, tipo estéreo com auto-falantes redondos. Foi inevitável coloca-lo no ombro e tentar imitar um rapper!
            Fizemos um mergulho tranqüilo com o tempo de 59 minutos de fundo e onde a profundidade máxima registrada foi 16 metros na areia. Subimos a ancora e partimos para o segundo ponto, onde chegamos uma hora depois. O Siqueira Campos fica a 11 quilometros na direção da terra, portanto a probabilidade de pegarmos água limpa era bem menor, e foi o que aconteceu: 1 metro de visibilidade. Apesar disso ainda fizemos um breve – bem breve – mergulho e pescamos um pouco. Seguimos diretamente para o porto, pois as condições de mergulho no São Pedro com certeza estariam piores que as do Siqueira.
Mergulhador na cabine de comando.
A água suja no Siqueira Campos não tirou o brilho da expedição. Estávamos todos muito satisfeitos com nosso mergulho no pouquíssimo visitado naufrágio Nossa Senhora dos Remédios.

Este mergulho no Naufrágio dos Remédios rendeu uma série de informações, hoje sabemos que ele provavelmente fora encomendado pelo US Army durante a II Guerra Mundial, foi posteriormente vendido e transformado em cargueiro por uma companhia Brasileira. Sua semelhança como o LCT MK5 é inegável.

LCT - Landing Craft Tank - modelo MK 5 encomendado pelo US Army durante a II Guerra Mundial.












Texto e Fotos por Marcus Davis

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