terça-feira, 24 de maio de 2011

A Pesca Fantasma no Ceará

Um pirambu preso a restos de uma rede de pesca. Naufrágio Macau, Aracati, CE.

Lagosta presa no Remédios.
Tornou-se corriqueiro avistarmos animais marinhos presos em artefatos de pesca abandonados no fundo do mar. Tal fato é conhecido no meio científico como "pesca fantasma" pois esses artefatos depois de descartados continuam pescando sem que o produto da pesca seja consumido ou comercializado. Esses equipamentos de pesca perdidos ou descartados são responsáveis por cerca de 10% dos resíduos sólidos que poluem os mares. No Golfo do México estima-se que são perdidos por ano U$ 250 milhões em lagostas em decorrência da pesca fantasma. 

No Brasil ainda não temos dados precisos sobre o estrago da pesca fantasma. Universidades de todo o país despertaram a alguns anos para esta ameaça, inclusive a Universidade Federal do Ceará onde alunos e professores do curso de Engenharia de Pesca estão estudando o fenômeno. 
Caranguejo morto na rede, Macau

Os principais agentes causadores são restos de redes e manzuás (armadilhas para pesca da lagosta) que são inutilizados por embarcações ou animais de grande porte sendo assim perdidos ou descartados pelos próprios pescadores. Os manzuás são especificamente importantes pois a vida útil de sua estrutura de madeira é bem curta e anualmente são confeccionadas novas armadilhas para temporada de pesca. Ao visitarmos as praias do litoral cearense e conversarmos com pescadores notamos um certo desleixo entre eles com os perigos da pesca fantasma. É como se acreditassem que ao serem descartados  no mar e sumirem de nossas vistas esses materiais desaparecem, mas não é bem assim. 
Mergulhadores livram lagosta
no Macau

A pesca fantasma infelizmente tem sido observada com freqüência por mergulhadores no fundo dos nossos mares. Os naufrágios por serem grandes estruturas com diversos pontos de enrosco tornam-se verdadeiros emaranhados de restos de redes e linhas de pesca tornando mortais para espécies marinhas indefesas e exigindo mais atenção dos mergulhadores para estes mesmo não se engancharem. No último mês presenciamos três ocorrências de pesca fantasma nos naufrágios Remédios (Uruaú) e Macau (Aracati). Em um caso uma lagosta presa a linha de pesca e simultaneamente fisgada em um anzol que estava preso a uma chumbada, ela não teria chance se não fosse pelos mergulhadores que a salvaram. Em outro episódio um caranguejo já morto fazia companhia a um pirambu agonizante que tentava desesperadamente se soltar.
Manzuá descartado
no Remédios

Uma solução preventiva seria substituir os materiais sintéticos por outros biodegradáveis diminuindo assim a vida útil desses equipamentos depois de descartados. Outra remediatíva seria obrigar os pescadores identificarem seus equipamentos e multa-los em caso de perda ou descarte, medida que requer fiscalização intensa e efetiva, algo difícil de acontecer. Uma terceira solução seria a conscientização dos pescadores através de amostras fotográficas nas colônias de pesca, talvez a mais viável entre elas.

Mergulhador retira linha
de pesca da Pedra da
Risca do Meio
Se não fosse por nós, mergulhadores recreativos, dificilmente teriamos informações sobre esses acontecimentos e pelo menos alguns animais nós conseguimos evitar que sejam capturados pela pesca fantasma. Para contribuirmos ainda mais essas informações serão utilizadas para a confecção de artigos científicos sobre o assunto. Mais uma vez o mergulho em prol da preservação ambiental! 




Texto e fotos
Marcus Davis


Vídeos
George Almedia e Marcus Davis

Fontes
CHAVES, ROBERT; EXTRAVIO DE PETRECHOS E CONDIÇÕES PARA OCORRÊNCIA DE PESCAFANTASMA NO LITORAL NORTE DE SANTA CATARINA E SUL DO PARANÁ; UFPR 2009.
Poluição e Pesca Fantasma contribuem para degradação do ambiente marinho. 10/06/2009 - http://www.agsolve.com.br
Pesca-fantasma nos Mares, Ciência Hoje, 2009. - http://www.globalgarbage.org


Assista os vídeos!



quarta-feira, 11 de maio de 2011

Um Mergulho em Fortaleza: o Naufrágio da Ponte


Imagem da Ponte Metálica, 1908. Navio da Ponte no detalhe.
Artigo publicado em 2006 no BrasilMergulho.com.br

Fortaleza já teve diversos portos, onde dentre estes, destacamos o antigo “Poço da Draga” que serviu até 1906, neste ano foi inaugurada a Ponte Metálica que foi utilizada para o desembarque de cargas e passageiros até 1947. Esta última foi construída devido à crescente necessidade de um porto que permitisse a aproximação de navios maiores. Porém, foi desativada após alguns anos devido ao assoreamento para dar lugar ao atual Porto do Mucuripe.

Nas proximidades da Ponte Metálica é possível avistar os destroços do cargueiro Mara Hope, encalhado na região há 26 anos. Mas o que não se pode ver, pelo menos acima da linha do mar, são outros dois naufrágios. Um deles, batizado como Navio Encantado (também conhecido como Draga) está a 500m da Ponte Metálica. Embora mergulhe há algum tempo no local, eu só soube da sua existência há um ano, e ele ainda permanece não identificado; o outro, para a minha surpresa estava literalmente sob meus olhos o tempo todo!

Detalhe do casco
Conversando com pescadores e mergulhadores da região, soube da existência de uma hélice e algumas ferragens junto à Ponte Metálica, a uns vinte metros da praia. Fui diversas vezes mergulhar lá, porém, a água nunca ajudava. A visibilidade é quase sempre zero devido à proximidade com a praia e o movimento constante das ondas. Ocasionalmente, a visibilidade chega a dois, três metros. Por estes motivos, mergulhar no Navio da Ponte é um pouco complicado e deve ser feito na maré cheia.

Entre março e julho o vento intenso dá uma trégua e a água limpa chega até a costa. Costuma-se alcançar até cinco metros de visibilidade em alguns raros dias. Mais raros ainda, são os dias como hoje em que a visibilidade chegou a 8 metros na beira da praia!

Mergulhador entre os
cabeços de amarração
Eu e Thadeu fomos até a Ponte Metálica para praticar mergulho livre, apenas para nos mantermos molhados. Quando chegamos e vimos a cor da água, não acreditamos! A água estava azul! Não tinha levado a câmera fotográfica e então voltei em casa para pegá-la, pois não podia perder essa oportunidade! No caminho meu receio era que água sujasse nos vinte minutos que levei até retornar à ponte.

Ao voltarmos encontramos um dos piratas locais. Ele vinha trazendo uma escotilha de bronze que havia acabado de retirar do naufrágio em que pretendíamos mergulhar. Ele está sempre no Mara Hope e em outros naufrágios da costa retirando seus metais de valor, como cobre e bronze. Conversando com ele, me disse que uma vez achou até um “Buda” de bronze, pesando vinte e oito quilos, entre o Mara Hope e o Navio Encantado. Quando questionei sobre a veracidade da informação ele disse: “É rapaz! Um Buda! Aquele gordinho sentado...!”.

Hélice do naufrágio
Depois fomos para a água explorar o Navio da Ponte. È um navio de ferro, com uns cinqüenta metros de comprimento e uns quatros ou cinco de largura. Está com a proa virada para a praia e a Ponte Metálica, fazendo um ângulo de cerca de 60 graus. O naufrágio está completamente desmantelado e repousa sobre formações coralíneas a estibordo.

Iniciamos a exploração pela popa onde ainda se encontram o hélice, que foi claramente serrado de seu eixo, e as estruturas do leme. O eixo do hélice ainda está inteiro e segue em direção à proa. Os restos do casco estão dos dois lados, mas estrutura do que seria o fundo ainda está parcialmente inteira. Seguindo o eixo encontramos estruturas que parecem ser do antigo motor. Mais a frente, por bombordo, chegamos a umas engrenagens que parecem ser o cabrestante (maquinário de suspender a âncora). E próximo a ele, ainda por bombordo, encontramos os cabeços de amarração. Sua proa ainda pode ser identificada, mas está bem corroída.

Cabrestante
Perto da popa, a quinze metros do naufrágio, por bombordo, está uma estrutura cilíndrica de uns quatro metros de comprimento por três de diâmetro que se encontra na posição vertical em relação ao fundo, aflorando na maré baixa. Dentro dessa grande estrutura estão três outras estruturas cilíndricas de um metro de diâmetro cada.  

Cruzamos com poucos peixes durante os mergulhos. Apenas alguns ‘cirurgiões’ e um ‘frade’. Algumas lagostinhas também moram por lá, mas fora isso, parece um deserto comparado aos mergulhos no Naufrágio dos Remédios e no Macau.

De onde será esse navio? Qual será a sua nacionalidade? Quando e por que naufragou? Teria encalhado nos recifes fruto de uma fundeação mal feita? Qual era sua carga?


Texto e Fotos 
Marcus Davis

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Desbravando os Mares Cearenses: Mergulho no Naufrágio dos Remédios

Croqui do Naufrágio dos Remédios, Uruaú, CE. Por Luciano Andrade e Marcus Davis

O maior inconveniente do mergulho são os horários. E foi num desses horários cruéis, as 2:45 da manhã, que marcamos a saída da nossa pequena expedição. Com os carros cheios de equipamentos e mergulhadores partimos para a Praia de Barra Nova, 60km a oeste de Fortaleza, onde embarcaríamos em uma viagem de três horas até o  primeiro ponto de mergulho.
Mergulhador segurando um tocafitas
Barra Nova fica no encontro do Rio Choró com o mar, e o encontro dessas águas muda constantemente a paisagem do lugar, por isso é chamada Barra “Nova”. Este horário infeliz era justificado, se tentássemos sair muito tarde, a maré baixaria e não poderíamos passar a barra do rio.
Passamos todos os nossos equipamentos para uma pequena traineira (barco de pesca de madeira) sem nome e nos preparamos para atravessar a barra. Seriam 25 km, rumo 100 graus até o naufrágio Nossa Senhora dos Remédios, em seguida mais 11km a 245 graus até o naufrágio Siqueira Campos e se o tempo permitisse, passaríamos no naufrágio São Pedro para marcarmos sua localização no GPS.
Lixa na casa de máquinas
Após duas horas navegando, o vento forte abrandou e o mar começou a cooperar. Logo chegamos e lançamos uma garatéia no ponto indicado pelo GPS cujas coordenadas foram disponibilizadas pelo portal BrasilMergulho. Um excelente mergulhador livre caiu na água para localizar o ponto enquanto nos preparávamos. Mas tivemos outro susto: nada do naufrágio! Me equipei para um mergulho solo a fim de localizá-lo. A água estava excelente: confortáveis 15 metros de visibilidade a 27˚ C de temperatura. Desci pelo cabo da garatéia, e nada. Deixei a correnteza me levar um pouco, pois poderia ser uma marcação de fundeio e logo avistei uma fileira de manzuás – armadilhas para a pesca de lagosta. Fiquei animado. Segui os achados, mas ainda nada de naufrágio... nem de peixes. Estava quase desistindo quando apareceu um cardume de galos e os segui com cuidado pra não assustá-los. Os peixes foram embora e me deixaram no fundo arenoso... sozinho! “Ok, vou subir.” Mas aí apareceu outro cardume, dessa vez de xilas segui-os um pouco e lá estava ele! Magnífico!
Cheguei pela popa e percebi a primeira – de muitas – peculiaridade deste naufrágio: a popa era quadrada! Segui por bombordo, amarrei o cabo de referência na amurada e subi.
Pescadores contam duas histórias diferentes sobre o naufrágio do Nossa Senhora dos Remédios. Em uma, o navio estaria transportando contrabando quando foi abordado e para não ser presa, a tripulação afundou o navio. Noutra, mais provável e confirmada por autores locais, seria um navio comissionado pela Marinha de Guerra Brasileira que, quando navegando, descarregado, foi atingido por uma enorme onda por boreste e afundou em 1986.
Na cozinha, o fogão.
Voltamos ao naufrágio em um grupo de três mergulhadores. Seguimos o planejamento e nadamos em direção à proa que está voltada para nordeste. Mais uma peculiaridade: a proa não era triangular como nos navios convencionais e sim retangular, com uma “comporta” como em navios de desembarque de tropas. A comporta estava aberta e embaixo dela um tubarão lixa repousava tranqüilo. Seguimos pela abertura e embarcamos no naufrágio. Ainda na altura da proa, nos dois bordos, escotilhas davam acesso às pequenas casas de máquinas da comporta. Seguimos pelo convés repleto de lixo deixado por pescadores: garrafas “pet” cobriam todo o convés. Os pescadores enchem essas garrafinhas de areia ou cimento para servirem de lastro e as amarram aos manzúas que são feitos de madeira. Quando essas armadilhas se perdem ou são descartados no mar a madeira se deteriora e o plástico fica.
Os colchões da tripulação.
Seguimos até a popa, onde fica a superestrutura da embarcação. No centro e mais elevado fica a cabine de comando com janelas pequenas, estreitas e retangulares o que fortalece a hipótese de tratar-se de um navio da Marinha de Guerra – são pequenas para proteger a tripulação. Aos lados da torre de comando portas dão acesso às duas casas de máquinas. Numa breve penetração observamos o motor de bombordo e mais adentro portas que dão acesso ao obscuro interior do navio. É um naufrágio que permite vários níveis de penetração. Retornando ao convés de carga e subindo uns 2 metros temos o convés de popa onde encontramos todo o “maquinário de suspender a âncora” que ainda mantém os cabos no lugar. Observamos que esses maquinários são complexos e se localizam na popa e não na proa como de costume. É impressionante como o naufrágio está intacto e perfeitamente preservado.  
Na proa do naufrágio.
           Observando mais atentamente identifiquei um aparelho de som portátil e antigo, tipo estéreo com auto-falantes redondos. Foi inevitável coloca-lo no ombro e tentar imitar um rapper!
            Fizemos um mergulho tranqüilo com o tempo de 59 minutos de fundo e onde a profundidade máxima registrada foi 16 metros na areia. Subimos a ancora e partimos para o segundo ponto, onde chegamos uma hora depois. O Siqueira Campos fica a 11 quilometros na direção da terra, portanto a probabilidade de pegarmos água limpa era bem menor, e foi o que aconteceu: 1 metro de visibilidade. Apesar disso ainda fizemos um breve – bem breve – mergulho e pescamos um pouco. Seguimos diretamente para o porto, pois as condições de mergulho no São Pedro com certeza estariam piores que as do Siqueira.
Mergulhador na cabine de comando.
A água suja no Siqueira Campos não tirou o brilho da expedição. Estávamos todos muito satisfeitos com nosso mergulho no pouquíssimo visitado naufrágio Nossa Senhora dos Remédios.

Este mergulho no Naufrágio dos Remédios rendeu uma série de informações, hoje sabemos que ele provavelmente fora encomendado pelo US Army durante a II Guerra Mundial, foi posteriormente vendido e transformado em cargueiro por uma companhia Brasileira. Sua semelhança como o LCT MK5 é inegável.

LCT - Landing Craft Tank - modelo MK 5 encomendado pelo US Army durante a II Guerra Mundial.












Texto e Fotos por Marcus Davis