Baltasar Ferreira mata o Ipupiara em História da Província de Sãcta Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, do cronista Pero de Magalhães Gândavo. (Fonte: Fantastipedia) |
O homem sempre teve uma relação conflituosa com o mar: a mesma entidade que abençoava com o pescado poderia, sorrateiramente, tirar a vida de quem dela vive. Aqueles que vivem do mar criam uma relação muito intima com o fruto do seu sustento. O mar não é só aquele que abençoa, ele é lindo, vivo e um pouco temperamental. Sente-se as vezes uma perigosa confiança sobre ele, e é neste momento que pode-se baixar a guarda e cair nos braços do Ipupiara.
Uma das lendas indígenas mais antigas diz respeito aos Ipupiaras ou "homens marinhos". Talvez a lenda fosse uma maneira encontrada para explicar o desaparecimento de pescadores e coletores na antiguidade. Ainda hoje admira-se quando um excelente nadador termina por afogar-se em alguma situação difícil e ditados populares como "Joelho, respeito. Umbigo, perigo." guiam nossas crianças contra os perigos das águas.
No passado não era diferente. Talvez uma das poucas lendas indígenas genuinamente brasileiras que diz respeito ao mar e as águas é a lenda o Ipupiara. Iara e Iemanjá são, possivelmente, derivações ou miscigenações de mitos da cultura negra e européia.
Segundo a lenda, os Ipupiaras eram monstros marinhos humanoides que podiam até sair da água para atacar aqueles que por perto estavam. Agarravam-os e os levavam para o fundo onde morriam afogados. Leia o trecho do Tratado Descritivo do Brasil por Gabriel Soares de Sousa em 1857:
"[...] não há dúvida senão que se encontram na Bahia e nos recôncavos dela, muitos homens marinhos, a que os índios chamam pela sua língua Ipupiara, os quais andam pelos rios d'água doce pelo tempo de verão, onde fazem muito dano aos índios pescadores e mariscadores que andam em jangadas, onde os tomam, e aos que andam pela borda d'água, metidos nela; a uns e outros apanham, e metem-nos debaixo d'água, onde os afogam; os quais saem a terra com maré vazia, afogados e mordidos na boca, nariz e na sua natura; e dizem outros índios pescadores que viram tomar a estes mortos, que viram sobre a água uma cabeça de homem lançar um braço fora dela e levar o morto; e os quais viram se recolheram fugindo à terra assombrados, do que ficaram tão atemorizados que não quiseram tornar a pescar daí a muitos dias; o que aconteceu também a alguns negros da Guiné; os quais fantasmas ou homens marinhos mataram por vezes cinco índios meus; e já aconteceu tomar um monstro destes dois índios pescadores de uma jangada e levarem um, e salvar-se outro tão assombrado que esteve para morrer; e alguns morrem disto (SOUSA, 1974)"
(retirado do livro Mar À Vista - Estudo da Maritimidade de Fortaleza de Eustógio Wanderley Correia Dantas, Editora Museu do Ceará)
Talvez a lenda do homem marinho fora criada para explicar por que excelentes nadadores podem inexplicavelmente desaparecerem nos rios e mares. O relato de Sousa poderia explicar também por que grupos de pessoas as vezes desaparecem de uma vez e o assombro daqueles que se salvam e a dificuldade que encontram em enfrentar seus medos.
Veja também
Ipupiara - Fantastipedia
Fontes
Folclore Brasileiro
Contos e Lendas: Iara
Mitologia - Brésil
Mar À Vista - Estudo da Maritimidade de Fortaleza de Eustógio Wanderley Correia Dantas, Editora Museu do Ceará